Karl Marx
CRÍTICA DO PROGRAMA DE GOTHA
GLOSAS MARGINAIS AO PROGRAMA DO PARTIDO OPERÁRIO ALEMÃO
1.
«O trabalho é a fonte de toda a riqueza e de toda a cultura, e como o trabalho
produtivo só é possível na sociedade e pela sociedade, o seu produto pertence
integralmente por direito igual, a todos os membros da sociedade».
Primeira parte do parágrafo: «O trabalho é a fonte de toda a riqueza e de toda a cultura».
O
trabalho não é fonte de toda a
riqueza. A natureza é fonte dos
valores de uso (que, ao fim e ao cabo são a riqueza real!) tanto quanto o
trabalho, ele próprio expressão de uma força natural, a força de trabalho do
homem. Esta frase repisada encontra-se em todos os abecedários e só é
verdadeira na condição de se subentender
que o trabalho é anterior, com todos os objetos e processes que o
acompanham. Mas um programa socialista não pode permitir que esta fraseologia
burguesa passe em silêncio as condições
que, só elas, Ihe podem dar sentido. E só na medida em que o homem age
desde o início como proprietário em relação à natureza, a fonte primeira de
todos os meios e materiais de trabalho, só enquanto a trata como um objeto que
Ihe pertence, é que o seu trabalho se torna a fonte dos valores de uso e,
portanto, da riqueza. Os burgueses têm excelentes razões para atribuir ao
trabalho esse sobrenatural poder de criação:
pois que precisamente do fato de o trabalho estar na dependência da
natureza se deduz que o homem que nada possuir além da força de trabalho será
forçosamente, em qualquer estado social e de civilização, escravo de outros
homens que se terão erigido em detentores das condições objetivas do
trabalho. Ele não pode trabalhar nem, por conseguinte, viver, a não ser com a
autorização destes últimos.
Mas
deixemos a proposição tal como está, ou melhor, tão manca como está. Que
conclusão se deveria esperar? Evidentemente, esta:
«Como
o trabalho é a fonte de toda a
riqueza, ninguém na sociedade se pode apropriar de riquezas que não sejam um
produto do trabalho. Portanto, quem quer que não trabalhe vive do trabalho de
outrem»,
Em
vez disso, à primeira proposição junta-se uma segunda por meio da locução
copulativa «e como,»
para tirar da segunda, e não da outra, a conseqüência final.
Segunda parte da proposição: «O trabalho produtivo só é possível na
sociedade e pela sociedade».
Segundo
a primeira proposição, o trabalho era a fonte de toda a riqueza e de toda a
cultura, logo, sem trabalho a sociedade é impossível. E eis que agora, pelo
contrário, aprendemos que o trabalho «produtivo», não é possível sem
sociedade.
Do
mesmo modo se poderia ter dito que só na sociedade é que o trabalho inútil,
é até socialmente prejudicial, pode chegar a ser um ramo de indústria que só
na sociedade é que se pode viver do ócio, etc., etc. - em suma, copiar de novo
todo o Rousseau.
E
que é um trabalho «produtivo»? Só pode ser o trabalho que produz o efeito útil
procurado. Um selvagem e o homem é um selvagem desde o momento em que deixa
de ser macaco - que abate um animal com uma pedrada, que apanha fruta, etc.,
realiza um trabalho «produtivo».
Terceira Conclusão: «E
como o trabalho produtivo só é possível na sociedade e pela sociedade, o seu
produto pertence integralmente, por direito igual, a todos os membros da
sociedade».
Bela
conclusão! Se o trabalho produtivo só é possível na sociedade e pela
sociedade, o seu produto pertence a sociedade - e ao trabalhador individual
caberá apenas o que não for indispensável à manutenção da sociedade, que
é a própria «condição» do
trabalho.
Na
realidade, esta proposição foi sempre defendida pelos campeões da ordem social existente, em todas as épocas. Em primeiro lugar, vêm as pretensões do governo, com tudo
o que se segue, pois o governo é o órgão da sociedade encarregado da manutenção
da ordem social; depois vêm as pretensões das diversas espécies de
propriedade privada, que são, todas elas, o fundamento da sociedade, etc. Como
se vê, estas frases ocas podem ser viradas e reviradas no sentido que se
quiser.
Só
haverá uma relação lógica entre a primeira e a segunda parte do parágrafo
se se adotar a seguinte redação :
«O
trabalho só é a fonte da riqueza e da cultura se for um trabalho social», ou,
o que vem a dar no mesmo: «se se
realizar na sociedade e por ela».
Tese
incontestavelmente exata, porque, se o trabalho isolado (supondo realizadas as
suas condições materiais) pode criar valores de uso, não pode criar nem
riqueza nem cultura.
Outra
tese não menos incontestável:
«Na
medida em que o trabalho se transforma em trabalho social e se converte assim em
fonte de riqueza e de cultura, desenvolvem-se, no trabalhador, a pobreza e o
desamparo, no não-trabalhador, a riqueza e a cultura».
Esta
é a lei de toda a história até hoje. Por conseguinte, em vez de frases gerais
sobre o «trabalho» e a «sociedade»,
era preciso indicar aqui com precisão como é que, na atual sociedade
capitalista, estão finalmente criadas as condições materiais e outras que
permitem e obrigam o trabalhador a
quebrar essa maldição social.
Mas,
na realidade, todo este parágrafo, tão falhado na forma como no conteúdo, só
existe para que, bem no cimo da bandeira do Partido, se possa inscrever como
palavra de ordem a fórmula lassalliana do «produto integral do trabalho».
Mais adiante voltarei ao «produto do trabalho», ao «direito igual», etc.,
porque a mesma coisa reaparece sob uma forma algo diferente.
2.
«Na sociedade atual. os meios de trabalho são monopólio da classe
capitalista. O estado de depend8ncia que dai resulta para a classe operária é
a causa da miséria e da servidão em todas as suas formas.»
Nesta
forma «melhorada», a tese, tomada dos estatutos da Internacional, é falsa.
Na
sociedade atual, os meios de trabalho são monopólio dos proprietários fundiários
(o monopólio da propriedade fundiária é mesmo a base do monopólio
capitalista) e dos capitalistas. Os estatutos da Internacional, na passagem em
questão, não mencionam nem uma nem outra classe monopolista. Falam do «monopólio dos meios de trabalho, quer dizer, das fontes da vida». A adição das palavras «fontes da vida»
mostra suficientemente que a terra está compreendida entre os meios de
trabalho.
Esta
retificação foi introduzida por Lassalle, por razões hoje conhecidas,
atacante somente a classe capitalista e não os proprietários fundiários. Na
Inglaterra, a maior parte das vezes, o capitalista não é sequer o proprietário
do solo em que está construída a sua fábrica.
3.
«A emancipação do trabalho exige que os meios de trabalho se elevem a patrimônio
comum da sociedade e que o trabalho coletivo seja regulamentado pela comunidade.
com repartição eqüitativa do produto».
«Os
instrumentos de trabalho elevados ao estado de patrimônio comum» deve querer
dizer, sem dúvida: «transformados em patrimônio comum». Mas isto só de
passagem.
Que
é o «produto do trabalho»? O objeto criado pelo trabalho ou o seu valor? E,
neste último caso, o valor total do produto ou apenas a fração de valor que o
trabalho veio acrescentar ao valor dos meios de produção consumidos?
O «produto
do trabalho» é uma noção vaga que em Lassalle fazia as vezes de concepções
econômicas positivas.
Que
é a «repartição eqüitativa»?
Não
afirmam os burgueses que a repartição atual’ é «eqüitativa»? E,
realmente, na base do atual modo de produção, não é a única repartição «eqüitativa»?
As relações econômicas são reguladas por idéias jurídicas ou não serão,
pelo contrário, as relações jurídicas que nascem das relações econômicas?
Os socialistas das seitas () não têm, também eles, as mais diversas concepções
acerca desta repartição «eqüitativa»?
Para
sabermos o que se deve entender, na ocorrência. pela expressão oca de «repartição
eqüitativa», temos que confrontar o primeiro parágrafo com este. Este supõe
uma sociedade na qual «os instrumentos de trabalho são patrimônio comum e em
que o trabalho coletivo é regulamentado pela comunidade», ao passo que o
primeiro parágrafo nos mostra que «produto pertence integralmente, por direito
igual, a todos os membros da sociedade».
«A
todos os membros da sociedade»? Mesmo aos que não trabalham? Que acontece então
ao produto integral do trabalho» ? - Só aos membros da sociedade que
trabalham? Que acontece, nesse caso, ao «direito igual» de todos os membros da
sociedade?
Mas
«todos os membros da sociedade, e o «direito igual» não passam,
manifestamente, de maneiras de falar. O essencial está em que, nesta sociedade
comunista, cada trabalhador deve receber um «produto integral do trabalho», à
maneira lassalliana.
Se
tomarmos em primeiro lugar a expressão «produto do trabalho» no sentido do
objeto criado pelo trabalho, então o produto do trabalho da comunidade é a totalidade produto social.
Daqui
tem que se deduzir:
Primeiro: um
fundo destinado à substituição dos meios de produção usados;
Segundo: uma
fração suplementar para aumentar a produção;
Terceiro: um
fundo de reserva ou de seguro contra
os acidentes, as perturbações devidas a fenômenos naturais, etc.
Estas
deduções do «produto integral do trabalhou» são uma necessidade econômica,
cuja importância será, em parte, determinada com a ajuda do cálculo das
probabilidades, tendo em conta o estado dos meios e das forças em jogo; em todo
o caso, não podem de maneira nenhuma ser calculadas com base na equidade.
Resta
a outra parte do produto total, destinada ao consumo.
Mas
antes de proceder à repartição individual, é preciso ainda retirar:
Primeiro: os
encargos gerais da administração não respeitantes à produção.
Em
comparação com o que se passa na sociedade atual, esta fração imediatamente
se reduz imenso e decresce à medida que se desenvolve a sociedade nova.
Segundo:
o que se destina a satisfazer as necessidades da comunidade: escolas, instalações sanitárias, etc.
Esta
fração aumenta imediatamente de importância, em comparação com o que se
passa na sociedade atual, e esta importância cresce à medida que se desenvolve
a sociedade nova.
Terceiro:
o fundo necessário ao sustento dos que estão incapacitados para o trabalho, etc.,
numa palavra que compete ao que hoje se chama assistência púbica oficial.
É só
então que chagamos à única «repartição» que, sob a influência de
Lassalle e dum modo limitado, o programa tem em vista, ou seja, a essa fração
dos objetos de consume que é repartida individualmente entre os produtores da
coletividade.
O «produto
integral do trabalho» já se metamorfoseou, imperceptivelmente, em «produto
parcial», se bem que o produtor, na sua qualidade de membro da sociedade,
reencontre direta ou indiretamente o que Ihe é retirado enquanto indivíduo.
Do
mesmo modo como se dissipou o tempo de «produto integral do trabalho», vamos
ver dissipar-se o de «produto do trabalho» em geral.
No
seio de uma ordem social comunitária, assente na propriedade comum dos meios de
produção, os produtores não trocam os seus produtos; do mesmo modo, o
trabalho incorporado em produtos já não aparece aqui como
valor desses produtos, como uma qualidade real possuída por eles, pois que,
ao invés do que se passa na sociedade capitalista, já não é por um desvio
mas sim diretamente que os trabalhos do indivíduo se tornam parte integrante do
trabalho da comunidade. A expressão «produto do trabalho», já hoje condenável
pela sua ambigüidade, perde assim qualquer significado.
Do
que aqui se trata é de uma sociedade comunista não como se desenvolveu sobre as bases que Ihe são próprias mas, pelo contrário
tal como acaba de sair da sociedade
capitalista; uma sociedade que, por conseqüência, em todos os aspectos, econômico,
moral, intelectual, apresenta ainda os estigmas da antiga sociedade que a
engendrou. O produtor recebe pois individualmente - uma vez feitas as deduções
- o equivalente exato do que deu à sociedade. O que ele Ihe deu foi a sua quota-parte
individual de trabalho. Por exemplo, o dia social de trabalho representa a soma
das horas de trabalho individual; o tempo de trabalho individual de cada
produtor é a porção do dia social de trabalho que forneceu, a parte que nele
tomou. Ele recebe da sociedade um vale certificando que forneceu tanto trabalho
(dedução feita do trabalho efetuado para os fundos coletivos) e, com esse
vale, retira dos armazéns sociais uma quantidade de objetos de consumo,
equivalente ao custo de uma quantidade igual do seu trabalho. A mesma quota-parte de trabalho que deu à sociedade sob uma forma, recebe-a
de volta sob outra forma.
Trata-se
aqui manifestamente do mesmo princípio que regula a troca das mercadorias, na
medida em que é troca de valores iguais. O fundo e a forma diferem porque,
sendo diferentes as condições, ninguém pode fornecer senão o seu trabalho e,
por outro lado, só objetos de consumo individual podem passar a ser propriedade
do indivíduo. Mas no que respeita à repartição destes objetos entre
produtores considerados individualmente, o princípio diretor é o mesmo que
para a troca de mercadorias equivalentes: uma mesma quantidade de trabalho, sob
uma forma, troca-se por uma mesma quantidade de trabalho, sob outra forma.
O direito
igual continua aqui portanto, no seu princípio, a ser o
direito burguês, se bem que princípio e prática já não entrem em
conflito, ao passo que hoje, para as mercadorias, a troca de equivalentes só existe em média e não
nos casos individuais.
Apesar
deste progresso, o direito igual ainda
continua onerado por uma limitação burguesa. O direito do produtor é proporcional
ao trabalho que forneceu; a igualdade consiste aqui no emprego do trabalho
como unidade de medida comum.
Mas
uns indivíduos são física ou moralmente superiores a outros e, portanto,
fornecem mais trabalho no mesmo tempo ou podem trabalhar mais tempo, e para que
o trabalho possa servir de medida, é precise determinar a sua duração ou a
sua intensidade, senão deixaria de ser unidade. Esse direito igual é um direito desigual para um trabalho desigual. Não
reconhece nenhuma distinção de classe, porque cada homem é um trabalhador
como os outros; mas reconhece tacitamente como privilégio natural a
desigualdade dos dons individuais e, por conseguinte, da capacidade de
rendimento. Portanto, no seu teor, é um direito baseado na desigualdade, como todo o direito.
Pela sua natureza, o direito não pode deixar de consistir no emprego de uma
mesma unidade de medida; mas os indivíduos desiguais (e não seriam indivíduos
distintos se não fossem desiguais) só são mensuráveis por uma unidade comum
enquanto forem considerados de um mesmo ponto de vista, apreendidos por um só
aspecto determinando; por exemplo, no caso presente, enquanto forem
considerados como trabalhadores e nada
mais, fazendo-se abstração de tudo o resto. Por outro lado: um operário é
casado, outro não; um tem mais filhos que o outro, etc., etc. Com igualdade de
trabalho e, por conseguinte, igualdade de participação no fundo social de
consumo, há portanto uns que efetivamente recebem mais que os outros, uns que são
mais ricos que os outros, etc. Para evitar todos estes inconvenientes, o direito
deveria ser não igual, mas desigual.
Mas
estes defeitos são inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista, tal
como acaba de sair da sociedade capitalista, após um longo e doloroso parto. O
direito nunca pode ser mais elevado que o estado econômico da sociedade e o
grau de civilização que Ihe corresponde.
Numa
fase superior da sociedade comunista, quando tiver desaparecido a escravizante
subordinação dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, a oposição
entre o trabalho intelectual e o trabalho manual; quando o trabalho não for
apenas um meio de viver, mas se tornar ele próprio na primeira necessidade
vital; quando, com o desenvolvimento múltiplo dos indivíduos, as forças
produtivas tiverem também aumentado e todas as fontes da riqueza coletiva
brotarem com abundância, só então o limitado horizonte do direito burguês
poderá ser definitivamente ultrapassado e a sociedade poderá escrever nas suas
bandeiras: «De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas
necessidades!»
Alonguei-me
particularmente sobre o «produto integral do trabalho», sobre o «direito
igual» e a «repartição equitativa», a fim de mostrar como é criminoso o
intento dos que, por um lado, querem impor doravante ao nosso Partido, como
dogmas, concepções que tiveram algum significado numa determinada época mas não
passam hoje de uma fraseologia obsoleta e que, por outro lado, falseiam a concepção
realista com tanto esforço inculcada no Partido, mas hoje com profundas raízes
nele; e tudo isto com a ajuda das patranhas de uma ideologia jurídica ou outra,
tão familiares aos democratas e socialistas franceses.
Mesmo
abstraindo de tudo o que acaba de ser dito, era de qualquer modo um erro dar
tanta importância ao que se chama a repartição
e nela colocar a Tonica.
Em
todas as épocas, a repartição dos objetos de consumo é conseqüência do
modo como estão distribuídas as próprias condições da produção. Mas esta
distribuição é uma característica do próprio modo de produção. O modo de
produção capitalista, por exemplo, consiste em que as condições materiais de
produção são atribuídas aos não-trabalhadores sob a forma de propriedade
capitalista e de propriedade fundiária, ao passo que a massa apenas possui as
condições pessoais de produção: a forca de trabalho. Distribuídos desta
maneira os elementos da produção, a atual repartição dos objetos de consumo
resulta naturalmente por si mesma. Sejam as condições materiais da produção
propriedade coletiva dos próprios trabalhadores, e do mesmo modo resultará uma
repartição dos objetos de consumo diferente da atual. O socialismo vulgar (e
com ele, por sua vez, uma fração da democracia) herdou dos economistas
burgueses o hábito de considerar e tratar a repartição como uma coisa
independente do modo de produção e de, por essa razão, representar o
socialismo a girar essencialmente em torno da repartição. Uma vez que as relações
reais foram há muito esclarecidas, para quê voltar atrás?
4. «A emancipação do trabalho deve ser obra da
classe operária, em face da qual todas as outras classes não formam mais do que uma
massa reacionária».
A
primeira estrofe é tirada do preâmbulo dos estatutos da Internacional, mas sob
uma forma «melhorada». O preâmbulo diz: «A emancipação da classe dos
trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores; ao passo que aqui é a «classe
dos trabalhadores» que deve emancipar - o quê? O «trabalho». Compreenda quem
puder.
Em
compensação, a antístrofe é uma citação lassalliana da mais pura água: «em
face da qual (classe operária) todas as outras classes não formam mais do que uma
massa reacionária».
No Manifesto
Comunista diz-se: «De todas as classes que na hora atual se opõem à
burguesia, só o proletariado é uma
classe verdadeiramente revolucionária. As outras classes enfraquecem e
desaparecem com a grande indústria; o proletariado, pelo contrário, é o seu
produto mais autêntico».
A
burguesia é considerada aqui como uma classe revolucionária - enquanto agente
da grande indústria - em relação aos feudais e às classes médias decididos
a manter todas as suas posições sociais, que são produto de modos de produção
caducos. Feudais e classes médias não formam portanto com
a burguesia uma mesma massa reacionária.
Por
outro lado, o proletariado é revolucionário frente à burguesia porque,
resultante ele próprio da grande indústria, tende a despojar a produção do
seu caráter capitalista, que a burguesia procura perpetuar. Mas o Manifesto acrescenta que «as classes médias... se tornam
revolucionárias... na perspectiva da sua passagem iminente ao proletariado».
Deste
ponto de vista, portanto, é mais um absurdo fazer das classes médias,
juntamente com a burguesia e, ainda por cima, com os senhores feudais, «uma
mesma massa reacionária» face à classe operária.
Será
que nas últimas eleições se gritou aos artesãos, aos pequenos industriais,
etc., e aos camponeses: «Perante nós,
vocês, com os burgueses e os senhores feudais, não formam mais do que uma única
massa reacionária»?
Lassalle
sabia de cor o Manifesto Comunista, do
mesmo modo que os seus fiéis sabem as sagradas escrituras de que ele é autor.
Se o falsificava tão grosseiramente, era apenas para dissimular a sua aliança
com os adversários absolutistas e feudais contra a burguesia.
No
parágrafo citado, aliás, a sua máxima é agarrada pelos cabelos, sem qualquer
relação com a citação desfigurada dos estatutos da Internacional. Trata-se
aqui muito simplesmente de uma impertinência e, na verdade, de uma impertinência
que de modo algum pode ser desagradável
aos olhos do Sr. Bismark; uma dessas garotices baratas em que é especialista o
Marat berlinense.()
5. «A classe operária trabalha para a sua
libertação, em primeiro lugar, no quadro
do atual Estado nacional. sabendo bem
que o resultado necessário dos seus esforços comuns aos operários de todos os
países civilizados, será a fraternidade internacional dos povos».
Contrariamente
ao Manifesto Comunista e a todo o
socialismo anterior, Lassalle tinha concebido o movimento operário do ponto de
vista mais estreitamente nacional. E depois da atividade da Internacional, ainda
o seguem neste terreno!
É
absolutamente evidente que, para poder lutar, a classe operária tem de se
organizar enquanto classe no seu próprio
país, e que os respectivos países são o teatro imediato da sua luta. É nisso
que a luta de classe é nacional, não no seu conteúdo, mas como diz o Manifesto
Comunista, «na sua forma». Mas o próprio «quadro do atual Estado
nacional», por exemplo, o do Império alemão, entra por sua vez,
economicamente, «no quadro» do mercado universal e, politicamente, «no quadro»
do sistema dos Estados. Qualquer comerciante sabe que o comércio alemão é
também comércio externo e a grandeza do Sr. Bismark reside precisamente no caráter
da sua política internacional.
E a
que é que o Partido Operário Alemão reduz o seu internacionalismo? À consciência
de que o resultado dos seus esforços «será a
fraternidade internacional dos povos» - expressão tirada da Liga burguesa
para a paz e a liberdade,() que se queria fazer passar por um equivalente da
fraternidade internacional das classes operárias na sua luta comum contra as
classes dominantes e os seus governos. Das funções
internacionais da classe operária alemã, por conseguinte, nem uma palavra!
E é assim que ela quer dobrar a parada face à sua própria burguesia, que já
fraterniza contra ela com os burgueses de todos os outros países, bem como à
política de conspiração internacional do Sr. Bismark!
Na
realidade, a profissão de internacionalismo do programa está ainda infinitamente abaixo da do partido livre-cambista. Também
este pretende que o resultado final da sua ação é a «fraternidade
internacional dos povos». Mas esse ainda faz
alguma coisa para internacionalizar o comércio e de maneira nenhuma se
contenta em saber que cada povo faz comércio no seu país.
A ação
internacional das classes operárias não depende de modo algum da existência
da Associação Internacional dos
Trabalhadores.() Esta foi somente a primeira tentativa para dotar essa ação
de um órgão central; tentativa que, pelo impulso dado, teve conseqüências
duradouras, mas que, na sua primeira forma
histórica, não podia sobreviver
muito tempo à queda da Comuna de
Paris.
A Norddeutsche()
de Bismark estava no seu pleno direito ao anunciar, para satisfação do seu
dono, que o Partido Operário Alemão, no seu novo programa renunciou ao
internacionalismo.
II
«Partindo destes princípios. o Partido Operário
Alemão esforça-se. por todos os meios legais, por fundar o Estado livre-e-a sociedade socialista; por abolir o sistema
assalariado com a lei de bronze dos
salários... bem como... a exploração em todas as suas formas; por eliminar
toda a desigualdade social e política».
Quanto
ao Estado «livre», mais adiante voltarei a ele. Com que então, de futuro, o
Partido Operário Alemão terá de acreditar na «lei de bronze» de Lassalle!
Para não arruinar esta lei, comete-se a insensatez de falar em «abolir o
sistema assalariado» (era preciso dizer: sistema do salariato) «com a lei de bronze dos salários». Se eu suprimo o salariato,
suprimo naturalmente ao mesmo tempo as suas leis, sejam elas «de bronze» ou de
esponja. Mas a luta de Lassalle contra o salariato gravita quase exclusivamente
em torno desta pretensa lei. Em conseqüência, para ficar bem claro que a seita
de Lassalle venceu, é preciso que o «sistema assalariado» seja abolido «com
a lei de bronze dos salários», e não com ela.
Da
«lei de bronze dos salários», como se sabe, nada pertence a Lassalle, a não
ser a expressão «de bronze», que ele foi buscar às «leis eternas, às
grandes leis de bronze» de Goethe. A expressão de
bronze é a senha pela qual os crentes ortodoxos se reconhecem. Mas se eu
admitir a lei com o selo de Lassalle e, por conseguinte, na acepção em que ele
a toma, é preciso que admita igualmente o seu fundamento. E que fundamento!
Como o mostrava Lange, pouco após a morte de Lassalle, é a teoria
malthusiana() da população (pregada pelo próprio Lange). Mas se esta teoria
é correta, eu não posse abolir a
lei, mesmo que suprima cem vezes o salariato, porque nesse caso a lei não rege
só o sistema do salariato, mas todo e
qualquer sistema social. É precisamente com base nisto que os economistas,
desde há cinqüenta anos e mais, têm demonstrado que o socialismo não pode
suprimir a miséria, determinada pela
natureza das coisas, mas apenas generalizá-la,
espalhá-la simultaneamente por toda a superfície da sociedade!
Mas
o principal não é isso. Abstraindo completamente
da falsa versão lassalliana desta
lei, o recuo verdadeiramente revoltante consiste no seguinte:
Desde
a morte de Lassalle que o nosso
Partido se abriu à perspectiva científica segundo a qual o salário do
trabalho não é o que parece ser, a
saber, o valor (ou o preço) do trabalho, mas tão-somente
uma forma disfarçada do valor (ou do preço)
da força do trabalho. Assim, duma vez por todas, estava posta de parte a
velha concepção burguesa do salário, bem como todas as críticas até então
dirigidas contra ela, e estava claramente estabelecido que o operário
assalariado só é autorizado a trabalhar para assegurar a sua própria existência,
por outras palavras, a existir, conquanto
trabalhe gratuitamente em certo tempo para os capitalistas (e, por conseguinte,
para os que, com estes últimos, vivem de mais-valia); que todo o sistema de
produção capitalista visa prolongar este trabalho gratuito pela extensão do
dia de trabalho ou pelo desenvolvimento da produtividade, quer dizer, por uma
maior tensão da força de trabalho, etc.; que o sistema de trabalho assalariado
é, por conseqüência, um sistema de escravidão e, a falar verdade, uma
escravidão tanto mais dura quanto mais se desenvolvem as forças sociais
produtivas do trabalho, seja qual for o salário, bom ou mau, que o operário
recebe. E agora que esta perspectiva penetra cada vez mais no nosso Partido,
volta-se aos dogmas de Lassalle, quando se deveria saber que Lassalle ignorava
o que é o salário e que, na peugada dos economistas burgueses, tomava a
aparência pela própria coisa.
É
como se, numa revolta, de escravos que teriam finalmente penetrado no segredo da
escravatura, um escravo preso a concepções antiquadas inscrevesse no programa
da revolta: a escravatura deve ser abolida porque, no sistema de escravatura, o
sustento dos escravos não pode ultrapassar um determinado máximo, pouco
elevado!
O
simples fato de os representantes do nosso Partido terem podido cometer um
atentado tão monstruoso contra a concepção divulgada na massa do Partido
mostra a ligeireza criminosa, a má fé com que eles trabalharam na redação do programa de compromisso!
Em
vez da vaga fórmula redundante com que termina o parágrafo: «eliminar toda a
desigualdade social e política», era preciso dizer: com a supressão das
diferenças de classe desaparece por si mesma toda a desigualdade social e política
resultantes dessas diferenças.
III
«O Partido Operário Alemão reclama, para preparar
as vias para a solução da questão social, o estabelecimento de sociedades
de produção com a ajuda do Estado sob o
controlo democrático do povo dos trabalhadores. As sociedades de produção
devem ser criadas na indústria e na agricultura com uma amplitude tal que
delas resulte a organização
socialista do conjunto do trabalho».
Depois
da «lei de bronze do salário» de Lassalle, a panacéia do profeta. «Preparam-se
as vias» de uma maneira digna. Substitui-se a luta de classes existente por uma
fórmula oca de jornalista: a «questão
social», para cuja «solução» Se
«preparam as vias». Em vez de resultar do processo de transformação
revolucionária da sociedade, «a organização socialista do conjunto do
trabalho» «resulta» da «ajuda do Estado», ajuda que o Estado fornece às
cooperativas de produção que ele próprio
(e não o trabalhador) «criou». Acreditar
que se pode construir uma sociedade nova por intermédio de subvenções do
Estado tão facilmente como se constrói um novo caminho de ferro, eis uma coisa
bem digna da Imaginação de Lassalle!
Por
um resto de pudor, coloca-se «a ajuda
do Estado»... sob o controlo democrático do «povo dos trabalhadores».
Em
primeiro lugar, O «povo dos trabalhadores» na Alemanha, compõe-se de uma
maioria de camponeses e não de proletários.
Em
seguida, «democrático» diz-se em alemão volksherrschaftlich.
Mas então que significa o «controlo popular e soberano do povo dos
trabalhadores?» E isso, mais precisamente, para um povo de trabalhadores que a
solicitar o Estado desta maneira, manifesta a sua plena consciência de que não
está nem no poder, nem maduro para o poder!
Quanto
à receita prescrita por Buchez, sob Luís Filipe, em oposição aos socialistas franceses e que foi retomada pelos
operários reacionários do Atelier,() não
vale a pena determo-nos a fazer a sua crítica. Tanto mais que o pior escândalo
não é o fato de esta cura milagrosamente
específica figurar no programa mas, ao fim e ao cabo, que se abandone o ponto
de vista da ação de classe para voltar ao da ação de seita.
Dizer
que aos trabalhadores querem instaurar as condições da produção coletiva à
escala da sociedade e, para começar, no seu país, à escala nacional,
significa somente que eles trabalham para derrubar as condições de produção
atuais; e isso não tem nada que ver com a criação de sociedades cooperativas
subvencionadas pelo Estado. E quanto às sociedades cooperativas atuais, elas só
têm valor enquanto são criadas
independentes nas mãos dos trabalhadores e não são protegidas nem pelos
governos nem pelos burgueses.
IV
E agora chego à parte democrática.
A.)
«Base livre do Estado.»,
Antes
de mais, de acordo com o capítulo II, o Partido Operário Alemão procura
realizar o «Estado livre».
Que
quer dizer: Estado livre?
O
objetivo dos trabalhadores que se libertaram da estreita mentalidade de humildes
súbditos não é, de modo algum, tornar livre o Estado. No Império alemão, o
«Estado» é quase tão «livre» como na Rússia. A liberdade consiste em
transformar o Estado, organismo que é colocado acima da sociedade, num
organismo inteiramente subordinado a ela; e mesmo nos nossos dias as formas do
Estado são mais ou menos livres ou não livres na medida em que limitem a «liberdade
do Estado».
O
Partido Operário Alemão - pelo menos, se fizer seu este programa - mostra que
as idéias socialistas não o tocam nem ao de leve; em vez de se tratar a
sociedade presente (e isto é válido para qualquer sociedade futura) como o fundamento
do Estado presente (ou futuro, para a sociedade futura), trata-se pelo contrário
o Estado como uma realidade independente, que possui os seus próprios «fundamentos intelectuais, morais e livres».
E,
para cúmulo, que monstruoso abuso faz o programa das expressões «Estado atual», «sociedade atual» e que confusão, ainda mais
monstruosa, cria a propósito do Estado, ao qual se dirigem as suas reivindicações!
A «sociedade
atual» é a sociedade capitalista que existe em todos os países civilizados,
mais ou menos expurgada de elementos medievais, mais ou menos modificada pela
evolução histórica particular de cada pais, mais ou menos desenvolvida. O «Estado
atual», pelo contrário, muda com a fronteira. É diferente no Império
prussiano-alemão e na Suíça, na Inglaterra e nos Estados Unidos. O «Estado
atual» é pois uma ficção.
No
entanto, os diversos Estados dos diversos países civilizados, não obstante a múltipla
diversidade das suas formas, têm todos em comum o fato de que assentam no
terreno da sociedade burguesa moderna, mais ou menos desenvolvida do ponto de
vista capitalista. É o que faz com que certos caracteres essenciais Ihes sejam
comuns. Neste sentido, pode falar-se do «Estado atual» tomado como expressão
genérica, por contraste com o futuro em que a sociedade burguesa, que no
presente Ihe serve de raiz, terá deixado de existir.
Então
surge a pergunta: que transformação sofrerá o Estado numa sociedade
comunista? Por outras palavras: que funções sociais análogas às atuais funções
do Estado subsistirão? Só a ciência pode responder a esta pergunta; e não é
juntando de mil maneiras a palavra Povo com a palavra Estado que se fará avançar
o problema um passo que seja.
Entre
a sociedade capitalista e a sociedade comunista situa-se o período de
transformação revolucionária de uma na outra, a que corresponde um período
de transição política em que o Estado não poderá ser outra coisa que não a
ditadura revolucionária do proletariado.
Mas
o programa, por agora, não se ocupa nem desta última nem do Estado futuro na
sociedade comunista.
As
suas reivindicações não contêm nada mais que a velha ladainha democrática
conhecida de toda a gente: sufrágio universal, legislação direta, direito do
povo, milícia popular, etc. São simplesmente o eco do Partido Popular burguês,
da Liga da Paz e da Liberdade. Nada mais que reivindicações já realizadas,
quando não são noções marcadas por um exagero fantástico. Só que o
Estado que as realizou não existe de modo algum no interior das fronteiras do
Império alemão, mas na Suíça, nos Estados Unidos, etc. Esta espécie de «Estado
do futuro» é um Estado bem atual, ainda que exista fora do «quadro» do Império
alemão.
Mas
uma coisa foi esquecida. Já que o Partido Operário Alemão declara
expressamente que se move no seio do «Estado nacional atual», portanto, do seu próprio Estado, o Império prussiano-alemão - senão as suas
reivindicações seriam na maior parte absurdas, porque só se reclama o que se
não tem -, o Partido não devia ter esquecido o ponto capital, a saber: todas
estas belas pequenas coisas implicam o reconhecimento do que se chama a
soberania do povo e, portanto, só têm cabimento numa república democrática.
Já
que não se ousa - e a abstenção é correta, porque a situação exige prudência
- reclamar a república democrática, como o faziam nos seus programas os operários
franceses, sob Luís Filipe e Luís Napoleão, também era preciso recolher a
esta intrujice tão pouco «honesta»() como respeitável que consiste em
reclamar coisas que só têm sentido numa república democrática a um Estado
que não passa de um despotismo militar, com uma armadura burocrática e
blindagem policial, adornado de formas parlamentares, com misturas de elementos
feudais e de influências burguesas, e, para além disso tudo, em assegurar alto
e bom som a esse Estado que se acredita ser possível impor-lhe tais coisas «por
meios legais»!
A própria
democracia vulgar, que vê na república democrática o advento do reino milenário,
e que não tem a menor suspeita de que é precisamente sob esta última forma de
Estado da sociedade burguesa que se travará a suprema batalha entre as classes,
a própria democracia está ainda cem côvados acima de um democratismo deste gênero,
confinado aos limites do que é
autorizado pela polícia e proibido pela lógica.
Que
por «Estado» se entende, efetivamente, a máquina governamental, ou então o
Estado enquanto constitui, em conseqüência da divisão do trabalho, um
organismo próprio, separado da sociedade, indicam-no já estas palavras: «O
Partido Operário Alemão reclama como base
econômica do .Estado: um imposto
único e progressivo sobre o rendimento, etc.» Os impostos são a base econômica
da máquina governamental e nada mais. No Estado do futuro, tal como existe na
Suíça, esta reivindicação está razoavelmente satisfeita. O imposto Sobre o
rendimento pressupõe fontes de rendimento diferentes de classes sociais
diferentes, pressupõe portanto a sociedade capitalista. Por, conseguinte, não
é nada de surpreendente que o Financial
Reformers de Liverpool - que são burgueses, com o irmão de Gladstone à
cabeça - formulem a mesma reivindicação que o programa.
B) «O Partido Operário Alemão reclama como base
intelectual e moral do Estado:
1.
Educação popular geral e igual. a
cargo do Estado. Obrigação escolar para todos. Instrução gratuita.»
Educação do povo, igual para todos? Que se quer dizer com estas palavras?
Acreditar-se-á que, na sociedade atual (e é dela que se trata), a educação
possa ser a mesma para todas as
classes? Ou querer-se-á então obrigar pela força as classes superiores a
receberem apenas o ensino restrito na escola primária, o único compatível com
a situação econômica não só dos operários assalariados mas também dos
camponeses?
«Obrigação
escolar para todos. Instrução gratuita.» A primeira até já existe na
Alemanha, a segunda na Suíça e nos Estados Unidos para as escolas primárias.
Se, em certos Estados deste último país, há estabelecimentos de ensino
superior igualmente «gratuitos» isso apenas significa que, de fato, nesses
Estados as despesas escolares das classes superiores são pagas com as receitas
gerais dos impostos. Diga-se de passagem que o mesmo acontece com a «administração
gratuita de justiça» reclamada no artigo A, 5. A justiça penal é gratuita em
toda a parte; a justiça civil gira quase unicamente em torno dos litígios de
propriedade e afeta portanto, quase unicamente, as classes possuidoras. Irão
elas sustentar os seus processes à custa do tesouro público ?
O
parágrafo relativo às escolas deveria, pelo menos exigir escolas técnicas (teóricas
e práticas) adjuntas à escola primária.
Uma
«educação do povo a cargo do Estado» é absolutamente inadmissível.
Determinar por uma lei geral os recursos das escolas primárias, as aptidões
exigidas ao pessoal docente, as disciplinas ensinadas, etc., e, como acontece
nos Estados Unidos, fiscalizar por meio de inspectores do Estado a execução
destas prescrições legais é completamente diferente de fazer do Estado o
educador do povo! Pelo contrário, é preciso, pelas mesmas razoes, banir da
escola qualquer influência do governo e da Igreja. Sobretudo no Império
prussiano-alemão (e não se recorra à evasiva falaciosa de falar num certo «Estado
do futuro»; nós já vimos o que ele é) é, pelo contrário, o Estado que
precisa de ser rudemente educado pelo povo.
Aliás,
todo o programa, apesar do seu badalar democrático, está infectado duma ponta
à outra pela servil crença da seita lassalliana no Estado, ou, o que não é
melhor, pela crença no milagre democrático; ou antes, é um compromisso entre
estas duas espécies de fé no milagre, igualmente afastadas do socialismo. «Liberalidade
da ciência», diz um parágrafo da Constituição prussiana. Porquê então
pô-la aqui?
«Liberdade de consciência!» Se, nestes tempos
de Kulturkcampf,() se
queria recordar ao liberalismo as suas velhas palavras de ordem, só se podia
fazê-la desta forma: «Toda a gente deve poder satisfazer as suas necessidades
religiosas e corporais, sem que a polícia meta o nariz.» Mas o Partido Operário
devia aproveitar a ocasião para exprimir a sua convicção de que a «liberdade
de consciência burguesa não é mais que a tolerância de todas as espécies
possíveis de liberdade de consciência religiosa, ao passo que ele se esforça por libertar as
consciências da fantasmagoria religiosa, Mas prefere-se não ultrapassar o nível
«burguês».
E
com isto chego ao fim, pois o apêndice que acompanha o programa não constitui
uma parte característica do mesmo. Por isso serei muito breve.
2. «Dia normal de trabalho».
Em
nenhum outro país se limita o partido operário a uma reivindicação tão
imprecisa, mas estabelece sempre a duração do dia de trabalho que, de acordo
com as circunstâncias, considera normal.
3. «Limitação do trabalho das mulheres e proibição
do trabalho das crianças.»
A
regulamentação do dia de trabalho deve implicar já a limitação do trabalho
das mulheres no que diz respeito à duração, às pausas, etc., do dia de
trabalho; a não ser assim, só pode significar a exclusão das mulheres dos
ramos de indústria que são particularmente prejudiciais à sua saúde física
ou contrárias à moral, do ponto de vista do sexo. Se era isto que se tinha em
vista, era precise dizê-lo.
«Proibição do trabalho das crianças»! Era
absolutamente indispensável indicar o limite de idade.
Uma proibição
geral! do trabalho das crianças é incompatível com a própria existência
da grande indústria; não passa, portanto, de um voto ingênuo e estéril. A
aplicação desta medida, se ela fosse possível, seria reacionária, porque,
desde que esteja assegurada uma estrita regulamentação do tempo de trabalho
segundo as idades bem como outras medidas de proteção das crianças, o fato de
se combinar desde cedo o trabalho produtivo com a instrução é um dos meios
mais poderosos de transformação da sociedade atual.
4. «Fiscalização pelo Estado do trabalho nas fábricas,
nas oficinas e no domicílio.»
Tratando-se
do Estado prussiano-alemão, era absolutamente necessário exigir que os
inspetores sejam revogáveis apenas pelos tribunais; que qualquer operário
possa entregá-los à justiça por falta aos seus deveres; que sejam médicos de
profissão.
5. «Regulamentação do trabalho nas prisões.»
Reivindicação
mesquinha num programa geral operário. De qualquer modo, era preciso dizer
claramente que não se pretende que os criminosos de direito comum, por medo da
sua concorrência, sejam tratados como gado e que não se tem a intenção de
Ihes retirar precisamente o que é o seu único meio de correção, o trabalho
produtivo. Era o mínimo que se podia esperar de socialistas.
6. «Uma lei eficaz sobre a responsabilidade
civil.»()
Era
preciso dizer o que se entende por uma lei «eficaz» sobre a responsabilidade.
Notemos
de passagem que, a propósito do dia normal de trabalho, foi esquecida a parte
da legislação das fábricas que diz respeito aos regulamentos sobre a higiene
e às medidas a tomar contra os acidentes, etc. A lei sobre a responsabilidade
entra em aplicação quando estas prescrições são infringidas.
Em
resumo, este apêndice também se distingue pela sua redação desleixada.
Dixi et saivavi animam mean.*
* Disse e salvei minha’alma.
Texto escrito por Karl Marx em princípios de maio de 1875.
Publicado pela primeira vez (com certas omissões) por F. Engels em 1891,
na revista Neue Zeit. Publica-se de acordo com a edição soviética de 1952,
cujo texto foi traduzido do manuscrito em alemão. Traduzido do espanhol.